O frontman dos Metallica, James Hetfield, falou com a Classic Rock sobre solidão, os seus relacionamentos e os hábitos com drogas dos seus colegas de banda numa das entrevistas mais reveladoras já feitas.
Confiram a entrevista completa em baixo!
Ele é derrubado, mas levanta-se de novo. Conheçam o verdadeiro James Hetfield - o gigante do metal cujo passado inclui um lar destruído e crescer com ensinamentos religiosos extremos e que ajudou a definir a trajectória dos Metallica, através de brigas, tragédias, alcoolismo, abuso de drogas e colapsos.
Há uma cena no documentário de 2004 dos Metallica, "Some Kind of Monster", onde o baterista Lars Ulrich petulantemente expressa a sua insatisfação com o modo de gravar pós-reabilitação de James Hetfield. Especificamente, Ulrich está infeliz com o édito de Hetfield de que todo o trabalho do vindouro álbum, "St. Anger", terminasse as quatro horas da tarde para que o vocalista pudesse passar tempo com a sua família. Ulrich inquieta-se e resmunga: "eu percebo agora que eu mal te conhecia antes", disse ele. É uma linha jogada, mas que ressoa entre os fãs dos Metallica. Afinal, desde que a banda lançou o seu álbum de estreia, "Kill 'Em All", em 1983, Hetfield visivelmente se desenvolveu no arquétipo frontman de metal. Um artista intenso, sem compromisso, de carisma brutal, o tempo livre de Hetfield era preenchido com mulheres fáceis, bebedeiras, southern rock e caçadas. Para sua plateia, Hetfield era um ícone a prova de bala dos bons tempos de bate-cabeça e força através de grandes riffs. Eles sentiram que eles realmente conheciam esse homem - mas eles estavam inteiramente enganados.
Sentando num sofá de pelúcia roxa no seu escritório na base californiana de operações da banda, H.Q., o Hetfield de hoje pontua o seu jeito de falar da costa oeste com a risada nervosa ocasional enquanto ele responde as questões com a sinceridade de um veterano da terapia. Como evidenciado pelo sucesso crítico e comercial do álbum de 2008 da banda, "Death Magnetic", um James Hetfield menos armas, bebedeiras e pequenos mas persistentes "problemas" que não fizeram nada além de deixar os Metallica menos afiado. Nós falamos por uma hora e meia, tempo que Hetfield provou ser longe de uma celebridade coitadinha lutando para viver sóbrio. Ao contrário, ele é amável e inteligente, mesmo quando discute detalhes mais dolorosos de sua memorável história de vida.
Classic Rock: Como foi a sua infância?
Hetfield: Eu cresci no subúrbio de Los Angeles, classe média. A nossa casa era óptima. Eu podia andar até todas as escolas que eu frequentei - ginásio e colégio, tudo muito próximo. O meu pai era um camionisista, foi eventualmente dono de uma empresa de camiões. A minha mãe era uma mãe de ficar em casa, ela era uma artista - ela pintou e fez algumas coisas de design gráfico. É engraçado, eu lembro-me de estar sozinho em casa várias vezes, o que é estranho. Eu tinha dois meio-irmãos mais velhos e uma irmã mais nova. Era difícil na casa, com certeza. Eu só estava a tentar me ajustar ao meu pai. Ele estava casado com uma mulher que tinha dois adolescentes e o quão difícil isso seria. Eu me lembro de ser muito solitário, ver a minha irmã a arrumar muita confusão. Uma criança muito rebelde e barulhenta. Eu vi quais foram as consequências para ela, então eu fui para o outro lado. Eu estava disfarçado nas minhas coisas para fugir, o que não me fez bem.
Classic Rock: Você cresceu na religião Ciência Cristã?
Hetfield: Isso foi bem interessante embora alienado... A minha realidade sobre isso é que isso foi bem alienado para mim quando criança. Agora, sendo mais velho, eu posso entender a religião um pouco melhor. O poder da mente permitindo pensamento positivo para te curar, tentar não reconhecer a doença, coisas desse tipo. Não ir a médicos, basicamente ignorar toda essa inteligência. Isso não fazia muito sentido para mim. Eu pensaria, agora, em minha vida, que eles funcionaram bem juntos. Sim, há um poder da mente mas há o conhecimento que aprendemos. Alguém parte o braço dele ou dela, tu vais engessar o braço pelo menos. Isso não era nem permitido. Eu não podia ir a aula de saúde quando era criança. Estamos a aprender como o corpo funciona, coisas assim. Eu não era permitido aprender isso. Eu tinha que sair da sala e ficar no corredor ou ir para a sala do director. Era mais como uma punição. Os meus pais estavam a tentar me tornar melhor ao me manterem afastado dessas coisas, mas era bem mais o oposto. O meu pai se separou quando eu tinha 13 anos. Nesse ponto, eu só disse para a minha mãe: "Eu não vou mais para a escola dominical. Não me faça ir." E foi isso.
Classic Rock: O que você se lembra do divórcio?
Hetfield: Foi muito confuso para mim, como criança, não saber o que se estava a passar. Foi meio que escondido. Esse é um grande defeito de carácter que eu ainda carrego - eu acho que todo mundo está a esconder algo de mim. O meu pai saiu e por meses e meses nós não tínhamos ideia de que ele não voltaria. A minha mãe disse que ele estava numa viagem de negócios, e finalmente disse a verdade. Só o medo de ser o homem da casa, também, não saber o que fazer. Sentir como se eu não tivesse aprendido o suficiente do meu pai, que ele não estava lá para mim e todas essas coisas começaram a se juntar. Muito ódio dele. Ele nem disse adeus. Eu não tenho ideia, sério, do que se estava a passar entre os dois. Poderia ser algo completamente horrível onde ele teve que simplesmente sair ou outra coisa. Mas eles eram ambos extremamente religiosos, e para mim isso vai contra o divórcio. Abandono. Então eu tinha problemas de abandono. Então a minha mãe faleceu cerca de três anos depois disso. Eu atribuo isso muito ao desconforto com o divórcio e o tumor. Foi bem traumático.
Classic Rock: Presumidamente, ela não recebeu tratamento para a doença?
Hetfield: Não, não, definitivamente não. Ela não estava nem interessada em descobrir o que era. Nós assistimos a minha mãe definhar. Minha irmã e eu olharíamos um para o outro e não podíamos dizer nada. Era toda a lógica de saber da doença, então é lógico que você vai ficar doente. Meus irmãos, finalmente - eles eram velhos o suficientes para entender isso - disseram: "Algo está muito errado. Vamos conseguir ajudar ela". Mas era tarde demais. Cancro, ela morreu disso. Eu tive que ir morar com o meu irmão por um tempo, deixando todos os meus amigos, do colégio. Felizmente, eu tinha um irmão mais velho, David, que estava que bem e estabilizado. Ele tinha uma esposa. E isso colocou a sua vida de lado, eu e a minha irmã. Minha irmã não durou muito tempo - ela era problema demais. Eles encontraram o meu pai e ela foi viver com ele. Eu não queria nada com ele. Demorou muito tempo para eu voltar a falar com o meu pai e perdoar e finalmente aceitar o amor incondicional de pai e filho. Mas ainda assim, havia várias perguntas sem respostas. Ele faleceu. Muitas das coisas que precisei passar na terapia remete a minha infância e a minha realidade versus a realidade deles.
Classic Rock: Quando foi a primeira vez que você tomou um medicamento?
Hetfield: Quando eu estava a viver com meu irmão, eu tive uma dor de cabeça forte. Eu costumava ter enxaqueca quando era criança. Eu não achava que havia algum tipo de alívio ou ajuda para isso. Rezar não parecia funcionar para mim e essa era a única receita em casa, isso ou ler a bíblia. Eu lembro-me do meu irmão me dar um pouco de aspirina pela primeira vez e eu enlouqueci. "O que isso vai me fazer sentir, o que isso vai fazer?" Nessa hora eu percebi os benefícios do conhecimento dado por Deus ao nosso redor, cuidando de nós.
Classic Rock: Quantos anos você tinha nessa época?
Hetfield: Provavelmente 16 ou 17 anos. Eu não tomei nada dessas coisas na escola - o que eu me orgulho um pouco. Vai saber o que nos davam quando criança?
Classic Rock: Nessa época você estava a aprender guitarra?
Hetfield: A minha mãe levou-me para aulas de piano porque nós estávamos na casa de um amigo, eu comecei a bater no piano e ela pensou que eu seria virtuoso [risos]. Três anos de aulas de piano na casa de uma idosa que tinha um cheiro horrível. Eu percebi bem cedo que isso era uma óptima ferramenta de comunicação. Eu gostava de ficar sozinho, eu gostava de me fechar para o mundo. E a música ajudou muito nisso. Eu colocava os fones no ouvido e simplesmente ouvia música. Música seria a minha voz e ela se conectou em tantos níveis. Fazia totalmente sentido de que eu gostaria de me expressar dessa forma. Tinha tudo a ver com Kiss e Aerosmith. Esse foi o primeiro concerto que eu fui - Aerosmith e AC/DC na Long Beach Arena [12 de Julho de 1978]. Eu também adorava Ted Nugent, Alice Cooper. Muitos dos rocks mais pesados e novos que eram americanos naquela época. Eu não curtia outras coisas até ser introduzido pelo Lars dois anos mais tarde.
Classic Rock: Como você conheceu o Lars?
Hetfield: Quando a gente se encontrou pela primeira vez, eu estava no colégio a tocar guitarra com um amigo meu e tentando levar a banda dele, Phantom Lord. Nós respondemos ao anúncio do Lars no jornal, nos encontramos num pequeno depósito em algum lugar, ele arrumou a sua bateria, e ele não era muito bom mas tinha motivação, ele tinha conhecimento. Ele tinha a vontade e as aspirações que eu tinha.
Classic Rock: Culturalmente, quão diferentes eram vocês dois?
Hetfield: Extremamente. Além de não tocar muito bem naquela época, haviam alguns cheiros diferentes vindos dele [risos]. O estigma de ser europeu é que eles não fabricam sabão por lá e ninguém toma banho. Indo a casa dele - definitivamente uma sensação diferente. Bem amigável, bem aberta. A minha casa era bem fechada. Se você não acreditava na nossa religião... Nós não tínhamos muitos convidados. A casa de Lars era exactamente o oposto. Bem hippie, bem, "pode entrar".
Classic Rock: Aparentemente Lars tinha uma colecção de discos muito impressionante.
Hetfield: Não diria que ele foi mimado, mas como filho único, ele tinha muitos discos. Eu entrei e não podia acreditar. Eu tinha minha pilha pequena; ele tinha uma parede inteira do quarto coberta de coisas. Ele simplesmente iria na loja de discos e falaria: "eu quero ver tudo destes aqui". Eu não podia pagar isso. Mas, meu, eu fui e comecei a gravar tudo que eu podia dele.
Classic Rock: Você era tímido naquela época?
Hetfield: Muito. Eu era muito recatado, não confiava realmente no mundo, por causa do que passei quando era criança. Então, beber ajudou-me a liberar um pouco, mas no final, foi pior. Eu cavei uma cova ainda mais funda para mim mesmo.
Classic Rock: Havia um sentimento de que os Metallica se tornaram a sua família?
Hetfield: Sim, sim. Sem dúvida. Eu procurava por pessoas com as quais podia me identificar. Eu não podia me identificar muito com a minha família e, basicamente, quando criança, ela se desintegrou a frente dos meus olhos. Há uma parte de mim que anseia família e outra que simplesmente não aguenta pessoas. No fim, eu senti-me como um lobo solitário, mas sabe, eu sinto que eu preciso de família, mas não todo o tempo.
Continua...
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